
Retrospecto Tributário – 23/09 a 29/09
Receita Federal prorroga consulta pública sobre a IN que trata da prestação de informações de beneficiários finais de entidades ou trusts
Data: 23/09/2025
A fim de ampliar a participação da sociedade, a Receita Federal prorrogou até 03 de outubro de 2025 a consulta pública para receber comentários e sugestões sobre a minuta de Instrução Normativa que altera a IN RFB nº 2.119, de 6 de dezembro de 2022.
A minuta dispõe sobre a identificação dos beneficiários finais de pessoas jurídicas brasileiras ou estrangeiras ou de arranjos legais (trusts) no exterior que investem ou têm atividades no País e para regulamentar a prestação de informações sobre beneficiários finais por meio do Formulário Digital de Beneficiários Finais – e-BEF.
Essa medida alinha-se aos padrões internacionais de transparência, implementa avanços significativos quanto aos apontamentos da revisão pelos pares (Peer Review) e fortalece a posição do Brasil na avaliação do Monitoramento Aprimorado (Enhanced Monitoring) do Fórum Global, atualmente em curso. A consulta pública estará aberta até 03 de outubro de 2025.
Como responder
As contribuições devem ser enviadas para o e-mail enbef@rfb.gov.br, preferencialmente em formato PDF.
Após aprovar texto-base do PLP ‘Brasil Soberano’, Senado adia análise dos destaques
Data: 24/09/2025
O Senado aprovou por unanimidade, nesta quarta-feira (24/9), o texto-base do projeto que prevê crédito extra às companhias que aderiram ao Reintegra, o PLP 168/25. O texto exclui da meta fiscal, em 2025 e 2026, os créditos extraordinários e renúncias fiscais para mitigação dos impactos do tarifaço – ponto que foi objeto de destaque da oposição. Com quórum reduzido, o governo viu risco de derrota nos destaques e pediu que a análise seja concluída na próxima semana.
A medida foi apresentada pelo líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), junto da Medida Provisória 1309/2025, que estabelece a prorrogação do regime de Drawback e o diferimento do pagamento de tributos federais.
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Foi feito apenas um ajuste redacional em relação ao texto aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na última semana. A proposta determina que entre 2025 e 2026, o crédito do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra) será apurado com acréscimo de três pontos percentuais, deixando o percentual final de apuração em 3,1% para médias e grandes empresas e de 6% para micro e pequenas empresas. O programa permite que empresas exportadoras apurem créditos como forma de reduzir o resíduo tributário acumulado ao longo de sua cadeia produtiva.
O PLP também autoriza a União a aumentar sua participação no Fundo Garantidor de Exportações (FGO) em até R$ 1 bilhão e no Fundo Garantidor para Investimentos (FGI) em até R$ 2 bilhões. Além disso, também permite a integralização de cotas de até R$ 1,5 bi em fundos contra riscos comerciais em operações de crédito ao comércio exterior nas fases pré e pós-embarque.
Por ter origem no Senado, caso aprovada, a proposta seguirá para a Câmara dos Deputados. Por se tratar de uma medida que busca resgatar o setor privado, o cenário é favorável à sua aprovação pelo Congresso.
Outro destaque foi apresentado pela liderança do Podemos e solicita a votação em separado de uma emenda que propõe a majoração, em caráter excepcional, dos percentuais de créditos presumidos de PIS e Cofins decorrentes da aquisição de frutas produzidas no Brasil para fabricação de sucos, entre 2025 e 2026. A emenda prevê a possibilidade de compensação ou ressarcimento em até 30 dias após o pedido do contribuinte.
Agro brasileiro comercializou R$ 8 trilhões em 2024, revela estudo do Empresômetro
Data: 25/09/2025
As empresas do agronegócio e os produtores rurais brasileiros movimentaram R$ 8 trilhões em 2024 em operações de compra e venda registradas no país. O valor representa uma alta de 6,8% em relação a 2023. Os dados são de um estudo inédito divulgado nesta quinta-feira, 25, pelo Empresômetro, uma spin-off do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).
O estudo aponta, no entanto, que a participação do agro no total das comercializações brasileiras caiu de 32% para 24,2%. Isso mostra, segundo os pesquisadores, que, embora o agronegócio mantenha trajetória de alta, o crescimento dos valores comercializados foi puxado por outros setores da economia, que ganharam participação.
“O agronegócio brasileiro tem enormes desafios internos e externos para manter a sua pujança e liderança em vários segmentos e produtos”, diz Gilberto do Amaral, presidente do IBPT.
“A instabilidade tarifária internacional, o constante aumento da carga tributária nacional e os problemas reiterados de logística se constituem em entrave ao desenvolvimento do setor, que em 2024 comercializou mais de R$ 8 trilhões em produtos e serviços”, diz Amaral.
O estudo, no entanto, ainda não pega os efeitos do tarifaço iniciado pelo presidente Donald Trump em janeiro deste ano.
Entenda o estudo
A análise se baseia em notas fiscais eletrônicas com CNAE (Classificação Nacional de Atividade Econômica) diretamente relacionadas ao setor agro, teve como objetivo mapear e entender cada segmento do setor. No levantamento, o Empresômetro analisou dois tipos de valor:
Valor comercializado: corresponde às transações que geraram, de fato, uma nota fiscal de compra e venda;
Valor transacionado: engloba as transações em que o produto passa por diferentes etapas, do campo ao consumidor.
O valor transacionado pelo agronegócio atingiu R$ 12,31 trilhões — o equivalente a 32,59% do total de operações no Brasil em 2024, que somaram R$ 49,14 trilhões.
A soja ilustra esse tipo de transação : o grão é vendido pelo produtor à cooperativa, depois para a trading e, por fim, exportado para a China, o principal destino da commodity brasileira. Cada etapa envolve uma nova operação de venda, somando valor transacionado ao total.
O processo faz o valor do produto ser contabilizado em diversas etapas, mas o valor comercializado refere-se apenas à compra e venda inicial, evitando duplicidade nos cálculos do Empresômetro.
Força do Sudeste nas empresas
O estudo mostra ainda que o Sudeste concentra a maior parte da sede das empresas do agro, com 56,8% do total, ou cerca de 1,97 milhão de companhias.
“Essa predominância se explica pela elevada participação do estado de São Paulo, que concentra quase 40% das empresas do agro no país, e pela força econômica de Minas Gerais, segunda maior base do setor”, diz o estudo.
Alguns estados apresentam crescimento proporcionalmente mais acelerado, como o Espírito Santo (+12,4% entre 2023–2024), que vem se consolidando como polo logístico e industrial para o agro, e dos estados do Norte e Nordeste com expansão muito acima da média, como Acre (+64,4%), Amapá (+64,7%), Roraima (+50,6%) e Alagoas (+47,9%) no acumulado 2022–2024.
“Esses resultados sugerem avanço da formalização empresarial e da penetração de atividades ligadas ao agro em regiões que historicamente tinham base menor”, diz o estudo.
Mais produtores no Nordeste
Já no recorte por quantidade de produtores rurais pessoa física, o Nordeste lidera, com 1.750.223 pessoas, ou 45,7% do total brasileiro. Só a Bahia tem 610 mil produtores, ou 15,6% do total nacional.
“Essa concentração reflete a importância da agricultura familiar e das pequenas propriedades na região, especialmente para culturas como milho, feijão, mandioca e para atividades pecuárias de subsistência. O crescimento de 4% entre 2022 e 2024 mostra que, mesmo em um cenário de mecanização e concentração fundiária em algumas áreas, o Nordeste mantém sua base produtiva pulverizada e ativa”, afirma o estudo.
O Norte foi a região com o crescimento mais acelerado, registrando um avanço de 7,7% entre 2023 e 2024. O desempenho está ligado à expansão da fronteira agrícola, principalmente no Pará, Tocantins e Rondônia, e à formalização de pequenos produtores na região.
“A economia da região é uma mistura de extrativismo e agropecuária, com a produção de culturas como a mandioca no Amazonas e Acre, e açaí no Amapá. Esse aumento é estratégico, pois indica maior integração da produção local às cadeias formais de comercialização, o que pode gerar ganhos de produtividade e facilitar o acesso a crédito rural”, aponta o estudo.
Nota Fiscal: o elo principal para a apuração assistida da CBS e do IBS
Data: 25/09/2025
A reforma tributária do consumo caminha para um padrão de administração tributária 3.0, com atuação digital, integração sistêmica e validação das operações com bens e serviços quase em tempo real. Pretende-se um sistema de apuração do IBS e da CBS com maior confiabilidade, automatização e rastreabilidade desde o momento da emissão da NF-e até a ext inção dos tributos.
O novo modelo substituirá o tradicional lançamento por homologação — no qual a empresa apura, declara e paga para, só então, aguardar até cinco anos pela fiscalização — pelo novo desenho de apuração assistida, na qual o Fisco calcula automaticamente o IBS e a CBS a partir dos documentos fiscais eletrônicos e de parâmetros padronizados.
O elo central desse arranjo é a nota fiscal eletrônica (NFe). A ideia é simples e potente: se a empresa preencher corretamente a NFe, com os códigos de situação tributária (CST) e de classificação dos bens ou serviços (cClassTrib), o sistema oficial consegue determinar o tratamento aplicável à cada operação (alíquota cheia, redução, isenção, crédito presumido etc.) e produzir a apuração assistida. O cálculo é feito por uma calculadora disponibilizada pela Receita Federal do Brasil com o código aberto para ser baixada pelos contribuintes.
Com essa nova realidade, o papel da escrituração e das múltiplas declarações acessórias tende a se reduzir substancialmente, ou seja, o cálculo automático de créditos e débitos com utilização de dados da NF não dependerá mais dos atuais modelos de escrituração fiscal.
Esse redesenho da relação entre Fisco e contribuintes exige uma nova governança fiscal e tecnologia. Os sistemas de gestão das empresas, conhecidos como ERP (Enterprise Resource Planning), precisarão conversar com o Fisco, contendo parametrizações íntegras e rotinas de qualidade de dados.
Isso porque, se houver algum erro no CST ou no cClassTrib, a apuração e o pagamento da CBS e do IBS serão incorretos. A apuração automática considerará exatamente o que foi informado pelos contribuintes.
O projeto de implantação dessa nova apuração assistida está sendo desenvolvido, sob a forma de “projeto-piloto”, com cerca de 500 empresas, que testam fluxos, interfaces do portal da Reforma Tributária de Consumo (RTC) e a própria calculadora.
Daí emergem boas práticas pelos contribuintes: baixar e testar a calculadora no ambiente interno, classificar previamente itens e serviços, e simular operações para entender efeitos de benefícios e regimes diferenciados.
O calendário é apertado, pois em janeiro de 2026 inicia o período-teste para aferição da alíquota de referência (sem recolhimento, desde que cumpridas as obrigações acessórias), exigindo-se a emissão da nota com destaque do IBS e da CBS e obrigatoriedade dos novos campos na NFe.
Os contribuintes que não se adequarem sofrerão duas consequências: (i) risco de não conseguir emitir a nota — e, portanto, não faturar — porque as Notas Técnicas condicionam a autorização à presença dos novos campos; e (ii) sujeição a tratamentos legais menos favoráveis previstos na transição.
No médio prazo, o novo modelo permitirá reduzir a defasagem temporal entre fato gerador e fiscalização, automatizar cálculos, integrar ERP–Fisco via documentos eletrônicos e simplificar o atual conjunto de obrigações acessórias.
A administração do IBS (Comitê Gestor) tenderá a replicar a trilha tecnológica da CBS já desenvolvida pela Receita Federal, ainda que os cronogramas não sejam idênticos.
Enfim, a reforma tributária está em vigor, os prazos estão definidos e os contribuintes devem se apressar em preparar seus sistemas tecnológicos para 2026, revisar cadastros de clientes e fornecedores, enquadrar os devidos CST e cClassTrib, treinar as áreas, validar a interface entre ERP e o portal da administração tributária, além de estabelecer rotinas de auditoria sobre a qualidade da informação na origem para a principal – senão única – obrigação acessória que figurará como elo dessa relação: a nota fiscal.
Os contratos de rateio de custos na reforma tributária
Data: 26/09/2025
Em cenários econômicos desafiadores, as entidades corporativas buscam instrumentos que aumentem a sua eficiência administrativa, financeira e fiscal. Os cost sharing agreements (CSA), ou contratos de rateio de custos, há muito têm sido um meio adequado para que grupos econômicos nacionais e multinacionais avancem nesta frente, ao viabilizar a concentração de custos em uma única entidade, que é reembolsada pelas demais entidades do grupo participantes do acordo.
Contudo, a neutralidade e simplicidade fiscal desses instrumentos – essenciais à sua viabilidade -, estão ameaçadas pela reforma tributária, o que poderá implicar encarecimento do modelo.
Esses contratos têm como objetivo a reunião de recursos humanos e materiais para compartilhamento de utilidades. Não há remuneração ou margem de lucro, de modo que a entidade centralizadora das despesas não aufere qualquer acréscimo patrimonial ou riqueza nova quando é reembolsada. Há mero acerto de contas ou recomposição patrimonial. Tratam-se, portanto, de negócios jurídicos não onerosos, que não possuem atributos próprios de operações de mercado, diferenciando-os da prestação de serviços, a qual é remunerada por preço.
Ao longo dos anos, a Receita Federal reconheceu a validade desses instrumentos, firmando requisitos que, se cumpridos, afastam a incidência de Imposto de Renda, CSLL, PIS ou Cofins sobre os reembolsos recebidos pela entidade centralizadora, e garantem à todas as contratantes o direito à dedução ou creditamento das respectivas despesas, na proporção que lhes coube de acordo com o critério de rateio previamente ajustado.
A jurisprudência, por outro lado, permaneceu dividida por entendimentos opostos, ora afirmando que tais reembolsos devem ser tributados, inclusive pelo ISS, bem como que as entidades contratantes descentralizadas não podem deduzir ou creditar-se das despesas que reembolsaram; ora concluindo pela impossibilidade da tributação, reconhecendo ainda que as entidades podem deduzir ou creditar-se das despesas de forma individualizada e proporcionalmente.
Com efeito, na reforma tributária, a Lei Complementar nº 214/25 instituiu o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), estabelecendo critério material que alcançará não somente as operações onerosas, mas também as não onerosas expressamente previstas em lei. Dentre as operações não onerosas sujeitas à tributação, estão expressamente previstas aquelas realizadas entre partes relacionadas.
De fato, os CSA são negócios jurídicos, de modo que as atividades sob ele praticadas constituem operações, realizadas entre partes relacionadas, que não podem ser caracterizadas como operações onerosas. Considerando, ainda, que centralizam atividades-meio, as quais em regra envolvem emprego de esforço humano – departamentos backoffice, que são colocados à disposição das contratantes, ou a disponibilização de bem imaterial, como softwares, por meio de gastos próprios incorridos pela entidade-mãe -, pode-se afirmar que há fornecimento, subsumindo-se à regra-matriz de incidência do IBS/CBS.
Excepcionam-se os casos em que a despesa centralizada se refere à contratação de um terceiro, pois a entidade-mãe atuará como mera intermediadora, que realiza o pagamento a conta e ordem de outrem.
Contudo, mesmo inexistindo fornecimento pela entidade-mãe em tal cenário, os reembolsos ainda assim deverão ser incluídos na base de cálculo desses tributos, pois a sua exclusão, nos termos atuais da LC nº 214/25, depende da emissão da documentação fiscal pelo terceiro fornecedor em nome do adquirente por conta e ordem de quem se realiza o pagamento – ou seja, em nome de cada uma das entidades descentralizadas, o que descaracterizaria o próprio mecanismo de centralização característico destes contratos.
A tributação dos reembolsos no âmbito dos CSA, na reforma tributária, é agravada em razão da ausência de neutralidade. Assim como entende a Receita Federal em relação ao PIS/Cofins, para fins de creditamento de IBS/CBS na operação centralizada, cada contratante – inclusive a entidade-mãe – tem o direito de apurar créditos proporcionais ao seu próprio benefício, de acordo com o critério de rateio do CSA, limitado ao montante do tributo efetivamente recolhido, desde que também tenha assumido proporcionalmente o ônus financeiro da tributação. Esse é o entendimento mais adequado à luz da significação do termo “adquirente” prescrita pela lei complementar, que é o sujeito detentor do direito a crédito.
Daí exsurgem problemas para a entidade-centralizadora, que possivelmente não terá crédito suficiente para a neutralização da tributação dos reembolsos que perceberá, implicando em prejuízo ao seu fluxo de caixa e no encarecimento geral do modelo de cost sharing.
A tributação dos reembolsos demandará, ainda, a emissão de notas fiscais para acobertá-los – requisito para apuração de créditos de IBS/CBS, inclusive -, antes apenas objeto de notas de débito, atraindo a necessidade de reorganização operacional e risco de exigência do ISS por entes municipais durante o período de transição.
O aumento da carga tributária sobre essas operações e a insegurança a nível operacional exigem, dos grupos econômicos, estudos dos impactos ao orçamento e da eventual necessidade de remodelagem dos contratos vigentes, para além de adequações de compliance fiscal.
Com efeito, o desincentivo à centralização de custos e despesas prejudica a eficiência empresarial e influencia negativamente as decisões de agentes econômicos, o que ofende diretamente o princípio constitucional da neutralidade, outrora – e ainda hoje -, um pressuposto de validade da reforma tributária.
Pedro Henrique Machado Federico é advogado do Rolim, Goulart Cardoso.
Receita tributa ressarcimento por uso de veículo próprio
Data: 26/09/2025
O ressarcimento por uso de veículo próprio para participação em atividades de conselho profissional – como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – está sujeito à contribuição previdenciária, segundo a Receita Federal. O entendimento está na Solução de Consulta nº 146, editada pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), que vincula todos os audito res do país.
A cobrança, no entanto, só é válida para profissional “eleito para cargo de direção de conselho, de ordem ou de autarquia de fiscalização”, considerado pela Receita como contribuinte individual. O empregado dessas entidades, de acordo com a Receita, continua podendo receber o ressarcimento sem ter que pagar a contribuição.
O entendimento da Cosit parte do princípio de que essa seria uma verba remuneratória paga como contraprestação por um serviço, que é o critério de incidência da contribuição previdenciária. Segundo os contribuintes, no entanto, a verba tem caráter indenizatório, e não deveria compor a base de cálculo do tributo.
A disputa em torno dos conceitos vem se desenrolando há anos. Em 2014, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu, por meio de recurso repetitivo (Tema 479), que o terço de férias tem natureza indenizatória e, dessa forma, não está sujeito à contribuição previdenciária (REsp 1230957). Foi esse julgamento que estabeleceu a diferenciação entre verbas remuneratórias e indenizatórias.
Desde então, só se multiplicaram as brigas judiciais e administrativas pela definição de verbas específicas. Há jurisprudência favorável e contrária aos contribuintes em diferentes instâncias.
No Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), por exemplo, uma decisão de 2020 isentou da contribuição os ressarcimentos por uso de veículos próprios por empregados de uma indústria química. A 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 2ª Seção de julgamento entendeu que essas verbas “apresentam natureza indenizatória em razão da depreciação e desgaste dos veículos e são pagas aos empregados em substituição ao fornecimento de veículos que poderia ser realizado pela empresa” (processo nº 10920.007427/2008-76).
Já para a 2ª Turma do STJ, por outro lado, seria uma verba paga com habitualidade e, portanto, deveria incidir contribuição previdenciária (AREsp 1729359). Esse também foi o entendimento da 1ª Turma. Os ministros decidiram pela tributação do chamado “auxílio-quilometragem” por considerar estar caracterizada a habitualidade do pagamento (AREsp 1045367).
Para a tributarista Fernanda Lains, do Bueno Tax Lawyers, por mais que o STJ tenha instituído o critério de incidência da contribuição previdenciária, diferenciando verbas remuneratórias das indenizatórias, a aplicação desses conceitos continua sendo muito subjetiva, o que sujeita a jurisprudência a muitas oscilações.
“Por mais que já tenham analisado a questão por meio de recurso repetitivo em 2014, novos julgamentos terão que acontecer sob essa sistemática para termos mais segurança jurídica. Mesmo com uma solução de consulta Cosit, que vincula a administração, esse é um tema que ainda pode ser levado ao Judiciário”, afirma a especialista.
Apesar de a solução de consulta dizer respeito apenas aos integrantes de conselhos, a Receita deixou margem para expandir esse entendimento a diretores eleitos de empresas, o que teria um impacto financeiro significativo, segundo a tributarista Luiza Lacerda, sócia do Demarest.
Ela aponta essa sinalização no trecho em que a solução de consulta determina que “verifica-se que a tributação não alcançaria o ressarcimento de despesas pelo uso de veículo de empregado da consulente (segurado da categoria empregado), o que não inclui o diretor eleito, eis que não há previsão legal isentiva de contribuição sobre essa verba para segurado da categoria contribuinte individual”.
Para a advogada, esse entendimento tem potencial de aumentar as disputas judiciais sobre o tema. “Também acaba sendo uma forma de a Receita ampliar a base de cálculos dos tributos, impondo esse tipo de autuação que, ao fim e ao cabo, espera-se que seja derrubada. Mas isso gera contencioso, gera custo para as empresas e é deletério para o sistema.”
Jéssica Lazzari, advogada do RMM Advogados, também destaca a diferenciação que a Receita faz entre diretores e empregados. Mas, segundo ela, no fim das contas essa discussão acaba por ignorar o debate sobre a natureza da verba, que é o mais importante.
“A Receita acabou deixando de lado aspectos que são fundamentais nessa análise, como a frequência dos pagamentos, a comprovação efetiva dos custos e até mesmo a finalidade do ressarcimento”, afirma a tributarista. “A resposta ficou bastante restrita ao enquadramento jurídico do beneficiário e à ausência de previsão legal específica, sem considerar elementos fáticos que poderiam, sim, alterar a conclusão sobre a natureza da verba.”
Procurada, a Receita não deu retorno até o fechamento da edição.
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NOTÍCIAS SOBRE DECISÕES ADMINISTRATIVAS FEDERAIS:
Carf afasta contribuição previdenciária sobre stock options
Data: 20/09/2025
Por maioria de 4 votos a 2, a 1ª Turma da 2ª Câmara da 2ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) afastou a cobrança de contribuição previdenciária sobre planos de stock options oferecidos pela farmacêutica Hypera S.A. a seus funcionários. Venceu o entendimento de que os planos têm natureza mercantil.
A empresa foi autuada para a cobrança de contribuições previdenciárias relativas ao período de fevereiro de 2018 a dezembro de 2019. O advogado Maurício Faro, do BMA Advogados, sustentou que estão presentes todas as características que vêm sendo consideradas relevantes para confirmar a natureza mercantil do plano, ou seja, onerosidade, risco e voluntariedade.
O relator, conselheiro Fernando Gomes Favacho, concordou com a argumentação. O julgador também levou em consideração que a tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Tema 1226 definiu que as stock options possuem natureza mercantil. O precedente, porém, trata do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), e o tribunal superior não deliberou sobre a incidência da contribuição previdenciária nesses planos.
Os conselheiros Débora Fófano dos Santos e Marco Aurélio de Oliveira Barbosa (presidente do colegiado) divergiram sobre a natureza dos planos e ficaram vencidos.
O caso foi analisado no processo administrativo 15746.727105/2022-87 e envolve a Hypera S.A.
https://www.jota.info/tributos/carf-afasta-contribuicao-previdenciaria-sobre-stock-options
Carf afasta autuação quase bilionária por ágio com uso de empresa veículo
Data: 23/09/2025
Por 6 votos a 2, o colegiado da 1ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) derrubou a autuação de aproximadamente R$ 950 milhões relacionada à amortização de ágio com uso de empresa veículo. Tratou-se da estrutura de compra do grupo Notre Dame Intermédica Saúde S.A pelo fundo private equity Bain Capital, realizada a partir de duas holdings.
A fiscalização entendeu que a Bain Brazil (holding que efetuou a compra) teria sido utilizada unicamente para viabilizar o aproveitamento fiscal do ágio, atribuindo ao fundo estrangeiro a condição de real adquirente. A defesa, no entanto, sustentou que os recursos da operação vieram tanto de aportes estrangeiros via Fundo de Investimento em Participações (FIPs) quanto da emissão de debêntures no mercado nacional por uma terceira empresa (a BCBF), segunda holding utilizada na operação.
A advogada representante do contribuinte, Luciana Rosanova Galhardo, do Pinheiro Neto, argumentou que, como os FIPs não podem contrair dívidas, a terceira empresa assumiu esse papel e repassou os valores à Bain Brazil, que efetivou a compra do grupo. Após a aquisição, a Bain foi cindida e seu patrimônio, incluindo o ágio, foi incorporado pelas três empresas operacionais que integraram a estrutura da operação. Segundo a tributarista, a estrutura foi necessária para atender a exigências regulatórias, como a vedação de endividamento pelos FIPs e os limites impostos pela ANS às operadoras de saúde.
O relator, conselheiro Luis Henrique Marotti Toselli, entendeu que a estrutura adotada tinha propósito negocial, já que os recursos de aporte vieram de um fundo de investimento que, por restrições legais, não poderia assumir dívidas. Sendo assim, em seu entendimento, a utilização da empresa veículo teria propósito negocial. A conselheira Edeli Pereira Bessa divergiu ao entender que não seria possível a existência de uma holding na estrutura de aquisição sem que houvesse, de fato, uma relação de compra entre as empresas envolvidas. Ela foi acompanhada pelo conselheiro Guilherme Adolfo dos Santos Mendes.
Os processos são de número 16561.720078/2020-81, 16561.720080/2020-50 e 16561.720082/2020-49.
Na mesma sessão, o colegiado analisou outro caso envolvendo ágio com uso de holding como veículo. O processo 11080.733632/2017-83, da Brinox Metalurgica SA, envolve tanto amortização de ágio quanto dedução de juros pagos na emissão de debêntures para a captação de recursos à aquisições de participações societárias. O caso saiu com pedido de vista.
Fazenda Nacional vence no Carf disputa sobre compensação de tributo pago no exterior
Data: 24/09/2025
A Fazenda Nacional está conseguindo, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), manter autuações fiscais referentes a uma disputa bilionária sobre tributação de lucros no exterior. Decisões das chamadas turmas baixas têm impedido a compensação, por grandes empresas, de estimativas mensais de Imposto de Renda (IRPJ) ou CSLL com tributo pago no exterior por controlada.
A tese passou a ser acompanhada mais de perto nos últimos anos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), depois de se tornar mais frequente no Carf. É uma discussão vinculada à tese mais famosa envolvendo a tributação de lucros no exterior: se são válidas ou não as cláusulas de tratados internacionais para afastar a bitributação – tema que está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A discussão envolve a Lei nº 9.249, de 1995, e também a Lei nº 12.973, de 2014, que autoriza a compensação do imposto sobre a renda pago no exterior por controlada por contribuinte brasileira (controladora), até o limite do IRPJ devido no Brasil. Quando há resultado positivo (lucro) no Brasil e no exterior, não há controvérsia. O problema ocorre em caso de prejuízo verificado no final do ano.
Os contribuintes defendem a tese de que podem, em caso de não conseguirem usar todo o valor recolhido no exterior em um ano, abater o saldo nas estimativas mensais adiantadas de IRPJ ou CSLL do próximo período. Para a Receita Federal, porém, não seria possível esse encontro de contas, o que tem sido mantido pelos conselheiros do Carf.
“O que as empresas querem é usar o crédito para quitar tributos devidos por fato gerador ocorrido no Brasil. Isso vai contra a lei”, diz a procuradora Livia da Silva Queiroz, da PGFN, reforçando que, para a Fazenda, não é possível utilizar como um crédito, de forma livre, o equivalente ao valor pago em tributo no exterior. “O crédito surge quando você tem o lucro da controlada tributado no exterior e o correspondente resultado da controladora no Brasil também é tributado, é a chamada bitributação econômica.”
Outra alegação do contribuinte, acrescenta, é que em caso de prejuízo fiscal, teria direito a usar esses créditos nas estimativas mensais. “A lei não diz isso. E não existe prejuízo fiscal, em muitos casos o que chamam de prejuízo fiscal é o resultado negativo das operações domésticas”, afirma a procuradora. “O prejuízo fiscal ocorre depois da apuração do ano-calendário. Mas está sendo chamado de prejuízo fiscal algo que ainda está sendo apurado e pode nem ocorrer, caso os lucros oriundos do exterior sejam suficientes para reverter os resultados domésticos negativos.”
As decisões nas chamadas turmas baixas têm sido favoráveis, segundo a procuradora. Na Câmara Superior já foram julgados alguns processos, mas sem discussão do mérito. As autuações foram mantidas por uma questão processual – falta de precedente para serem julgadas.
Individualmente, as autuações fiscais não são altas, de acordo com Livia. Mas a tese, acrescenta, é bilionária porque envolve muitos autos de infração. “Pode ter [uma empresa] várias autuações em um mesmo ano”, diz.
Um dos julgamentos foi realizado no fim do ano de 2024 pelos conselheiros da 2ª Turma da 1ª Câmara da 1ª Seção. Envolve uma autuação fiscal recebida pela Telemar Norte Leste (hoje Oi, em recuperação judicial), que tem outros 20 processos administrativos similares.
Por maioria de votos, o colegiado decidiu que o tributo pago sobre lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior, que não puder ser compensado em virtude de a pessoa jurídica, no Brasil, no respectivo ano-calendário, não ter apurado lucro real positivo, poderá ser compensado com o que for devido nos anos-calendário subsequentes, mas não com as estimativas de IRPJ. O caso tratava de um pedido de restituição de R$ 220 milhões (processo n° 16682.900435/2020-16).
No caso, a companhia teve prejuízo nos anos-calendários de 2011, 2012 e 2013 e não conseguiu utilizar os créditos de impostos reconhecidamente pagos no exterior. Em 2014, tentou compensar as estimativas mensais com o sal do, mas novamente teve prejuízo fiscal e as compensações foram consideradas ilegítimas pela fiscalização da Receita.
Na Câmara Superior, um dos julgados da Ambev indica mais 22 processos administrativos semelhantes aos quais foi aplicado o mesmo entendimento contrário. No caso, a empresa tentou utilizar crédito oriundo de saldo negativo de IRPJ para a quitação de débitos próprios. O valor, apurado em 2015, seria composto por estimativas de IRRF (antecipações) e, ainda, por parcela do imposto paga no exterior, por empresas ligadas à Ambev (processo nº 16692.720872/2017-33).
Segundo Caio Cesar Nader Quintella, ex-conselheiro da Câmara Superior do Carf e sócio de Nader Quintella Advogados, esses casos não analisam um planejamento tributário, mas interpretações sobre o critério legal para utilização do crédito que a lei prevê em contrapartida à tributação, no Brasil, de lucros no exterior. “Essa prerrogativa pode ser interpretada de mais de uma forma”, afirma.
O tributarista destaca que a Fazenda Nacional é mais restritiva, enquanto os contribuintes entendem que algumas vedações são ilegais e que a metodologia utilizada pela Receita Federal na hora de regulamentar as compensações extrapola e cria restrições maiores. Segundo Quintella, essa tese é menos popular do que o uso de tratados para evitar a bitributação.
Em nota, a Ambev informa que os casos são decorrentes de divergência de interpretação da legislação tributária e que a defesa da companhia “está suportada por argumentos jurídicos sólidos, corroborados por pareceres técnicos”. Ainda de acordo com a empresa, eventual decisão desfavorável no tribunal administrativo não é definitiva, cabendo a palavra final, em última instância, ao Poder Judiciário.
Câmara Superior do Carf permite tributação de lucro de controlada
Data: 24/09/2025
A 1ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) permitiu, por maioria de votos, a tributação de lucro de controlada em país com o qual o Brasil mantém tratado para evitar a bitributação. Até então, os contribuintes vinham, na esfera administrativa, obtendo empates nos julgamentos. O tema aguarda definição pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
No caso julgado, a Receita Federal apontou que, no ano de 2012, a empresa Pallas Marsh Serviços controlava a empresa Marsh Argentina SRL e era coligada da Marsh S/A, também sediada na Argentina. A controlada Marsh Argentina SRL havia apurado lucro líquido que não foi disponibilizado pela fiscalizada em sua declaração referente a 2012.
O fundamento da empresa para não tributar lucro apurado no país vizinho é o artigo 7º da Convenção Brasil-Argentina a qual, a rigor, foi firmada para evitar a dupla tributação da renda. Para ela, o pacto internacional deve prevalecer sobre a norma brasileira que determinava, à época, a tributação de lucros no exterior – o artigo 74 da Medida Provisória (MP) nº 2.158- 35, de 2001.
Por isso, em sua defesa, a contribuinte alegou que a cobrança era ilegal por incidir sobre lucros antes de sua efetiva disponibilização à coligada brasileira, contrariando o acordo entre os dois países, promulgado pelo Decreto nº 87.976, de 1982.
Em 2023, a 2ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção, por maioria de votos, havia decidido pela impossibilidade da tributação dos lucros relacionados à controlada Marsh Argentina SRL, em decorrência da convenção para evitar a dupla tributação firmada entre o Brasil e a Argentina (processo nº 16561.720116/2017-08). A decisão, porém, foi reformada recentemente pela Câmara Superior, após recurso da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
O advogado Caio Quintella, ex-conselheiro da Câmara Superior do Carf e sócio de Nader Quintella Advogados, destaca que a mudança de posição se deu por um voto, em razão de alteração na composição da turma. “Historicamente, o tema sempre oscilou entre empate e, antes, vitória do contribuinte. Nunca houve um cenário de maioria da Fazenda”, afirma.
Lucros no exterior, acrescenta o advogado, é hoje a principal matéria em termos de valor no Carf. Quintella destaca que mesmo o empate, que acabava sendo decidido a favor da Fazenda, era relevante para o contribuinte, por afastar a incidência de multa.
Em nota, a PGFN afirma que a Câmara Superior mantém o entendimento que prevalece no Carf no sentido de que as normas de tributação em bases universais brasileiras são compatíveis com os tratados para evitar bitributação de que o Brasil é signatário.
“Não se pode confundir o resultado que é auferido pelas controladoras brasileiras com aquele das suas investidas. Além disso, as normas brasileiras permitem o creditamento dos valores que foram pagos, a título de imposto de renda, no exterior pelas investidas, assegurando que não haja bitributação, seja jurídica, seja econômica. Ou seja, a lei garante que o lucro que foi tributado na investida não será novamente tributado quando aumentar o resultado da investidora”, afirma o órgão.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a jurisprudência é mais favorável ao contribuinte, por reconhecer a prevalência dos tratados internacionais sobre a legislação interna brasileira. O tema começou a ser julgado no STF (RE 870214). Por enquanto, a União vence o placar, por três votos a um.
Até então, votaram a favor do entendimento da PGFN os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Nunes Marques. Eles entendem que os tratados não inviabilizam a tributação dos valores no Brasil. O relator, André Mendonça, entendeu que a tese seria infraconstitucional. Mas disse que se ficasse vencido nesse ponto, seria a favor do pedido da empresa, a Vale.
A discussão pode gerar um impacto de R$ 142,5 bilhões para a União em caso de derrota, segundo nota técnica da Receita Federal. O valor é referente à devolução ou perda de arrecadação de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL do período de 2017 a 2021.
Além do passado, a tese poderia reduzir o caixa da Fazenda Nacional em R$ 28,5 bilhões anualmente. O cálculo, que consta da Nota Cetad/Coest nº 14, de 2023, foi feito a pedido da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e tem como base informações do Banco Central (BC), referentes aos lucros e dividendos recebidos no exterior, decorrentes de investimentos diretos de 2017 a 2021. O valor não leva em conta os contribuintes que possam ser atingidos pelo julgamento, mas um conjunto deles que supostamente compartilharia situação tributável semelhante.
No Carf, existem pelo menos três discussões mais recorrentes sobre tributação de lucros auferidos no exterior, segundo Diana Piatti Lobo, sócia do Machado Meyer Advogados. A primeira é a aplicação de previsão dos tratados como forma de impedir a tributação dos lucros auferidos no exterior por pessoa jurídica brasileira. Há ainda, acrescenta, a discussão sobre a possibilidade de aproveitamento/compensação dos valores pagos a título de imposto sobre a renda no exterior e sobre a consolidação dos resultados das investidas.
Segundo a advogada, mesmo na primeira tese a questão ainda é bastante controvertida, sendo que os últimos resultados de julgamento foram resolvidos por critérios de desempate. “Resultados desfavoráveis ao contribuinte serão levados ao Judiciário, aguardando um cenário definitivo que será dado futuramente pelo STF”, diz.
Em nota, o Carf afirma que não se trata de jurisprudência vacilante ou oscilante, porque já existiam decisões nesse sentido na Câmara Superior desde fevereiro de 2023. O Conselho ressalta que o tema está sendo examinado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (RE 870214), cujo resultado parcial, por 3 votos a 1, converge para a mesma conclusão adotada pela 1ª Turma da Câmara Superior.
Ainda segundo o Conselho, no julgamento analisado, o colegiado concluiu que a aplicação do artigo 74 da MP nº 2.158-35/2001 não viola o tratado internacional para evitar a dupla tributação. Isso porque a convenção firmada entre Brasil e Argentina impede a tributação direta sobre empresas sediadas naquele país, mas não afasta a incidência sobre os lucros distribuídos ao acionista domiciliado no Brasil, na proporção de sua participação societária. Além disso, destaca que é assegurado ao investidor brasileiro o direito de compensar o imposto pago no exterior, o que afasta a ocorrência de dupla tributação.
Câmara Superior do Carf nega retroatividade do conceito de praça como município para IPI
Data: 28/09/2025
Por maioria de cinco votos a três, a 3ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) negou a retroativamente da Lei 14.395/22, que define que, para fins de cobrança de IPI, praça é o município onde está localizado o remetente da mercadoria. Prevaleceu o entendimento de que a norma não possui caráter interpretativo, uma vez que não há no texto qualquer dispositivo formal que indique essa intenção. Os conselheiros argumentaram que, ao utilizar a expressão “passa a vigorar”, a lei sugere uma alteração em relação à definição anterior, reforçando que o conceito de “praça” como município não era a interpretação vigente até então.
O contribuinte foi autuado para recolhimento de IPI após a fiscalização apontar que as exigências de Valor Tributável Mínimo (VTM) não foram cumpridas nas saídas para a empresa Puig Brasil, por suposta interdependência entre as companhias. A defesa do contribuinte, entretanto, sustentou que não foi caracterizada a interdependência e alegou ter havido equívoco no cálculo do VTM, dado que, no contexto, praça deve ser tomada como sinônimo de cidade.
A Fazenda recorreu contra decisão da 2ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção que, por unanimidade, considerou o conceito de praça como o município onde está situado o estabelecimento do remetente. O colegiado cancelou o auto de infração. A Câmara Superior, no entanto, reverteu decisão da turma ordinária e reformou o acórdão.
Os conselheiros Tatiana Belisário (relatora), Alexandre Costa e Régis Holanda, que preside a turma, votaram para negar provimento ao recurso. A relatora disse divergir da interpretação de que praça é município, mas entendeu que a lei deve retroagir por ter caráter interpretativo. Já Costa afirmou que seu entendimento sempre foi de que o conceito de praça é o município e não houve, na sua visão, alteração normativa quanto a isso. A divergência foi aberta pelo conselheiro Rosaldo Trevisan, seguida por Semíramis Oliveira, Vinícius Guimarães e Dionísio Barbosa e Denise Green.
O caso tramita com o número 10872.720385/2016-95 e envolve a Indústria de Cosmeticos Carvalho Ltda.
NOTÍCIAS RELACIONADAS A DECISÕES JUDICIAIS:
- FEDERAIS:
União tenta no STF validar inclusão de tributos no cálculo do PIS/Cofins
Data: 23/09/2025
O governo federal, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), adotou uma estratégia jurídica que surpreendeu os contribuintes: protocolou ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar validar a inclusão de tributo na base de cálculo de outro tributo. A medida, se aceita, resolveria, de uma tacada só, três teses sobre PIS e Cofins. Em ao menos duas delas, há chance de vitória para as empresas, segundo tributaristas ouvidos pelo Valor.
Em Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 98), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, representado pela AGU, pede que o Supremo reconheça que o conceito de receita ou faturamento das empresas, para fins de cálculo da incidência do PIS e Cofins, deve incluir despesas tributárias.
A petição inicial, distribuída para relatoria da ministra Cármen Lúcia, cita especialmente três temas que já tiveram a repercussão geral reconhecida pelo STF: a inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e Cofins (Tema 118), a inclusão do crédito presumido de ICMS decorrente de incentivos fiscais (Tema 843) e a inclusão do PIS e Cofins nas próprias bases (Tema 1067).
Nos dois primeiros temas, os contribuintes têm expectativas altas de obter entendimentos favoráveis. No Tema 118, com impacto estimado de R$ 35,4 bilhões, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025, o placar está em quatro votos a dois contra a União – se considerados os votos dados anteriormente no Plenário Virtual , já há maioria para as empresas.
Três dos votos pró-contribuintes são de ministros aposentados: Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Assim, não votam Nunes Marques, Cristiano Zanin e Flávio Dino.
No Tema 843, sobre o crédito presumido de ICMS, o impacto esperado é de R$ 16,5 bilhões. O julgamento foi iniciado no Plenário Virtual do STF em março de 2021, e houve maioria a favor dos contribuintes. Porém, antes do encerramento da sessão, o ministro Gilmar Mendes pediu destaque, o que transfere o caso para sessão presencial e zera o placar. Ainda não há previsão de julgamento.
O maior impacto é o do Tema 1067, de R$ 65,7 bilhões. Trata da exclusão do PIS e da Cofins duas suas próprias bases de cálculo. Esse também seria o caso de maior incerteza, pois ainda não houve discussão no processo, que teve a repercussão geral reconhecida em 2019.
Na ADC 98, o presidente justifica a necessidade de análise da questão com base no argumento de que a Corte não estabeleceu, no julgamento da tese do século (Tema 69), a inconstitucionalidade da incidência de um tributo sobre outro, só analisando as peculiaridades de reconhecimento do ICMS.
O que a ação pede é que seja afirmada a constitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 10.637/2002, do artigo 1º da Lei nº 10.833/2003 e do artigo 2º da Lei nº 9.718/1998, que determinam que o PIS e a Cofins incidem sobre o total das receitas mensais das empresas, tanto no regime cumulativo quanto no não cumulativo. Em nota ao Valor, a AGU afirma que o julgamento vai “pacificar o ambiente de negócios” a partir de uma manifestação definitiva do STF, que poria “fim às discussões sobre o tema”.
A petição da AGU ressalta que a nova ação não abrange a discussão da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, destacando que, em 2023, a decisão do Supremo sobre o assunto foi incorporada à legislação por meio da Lei nº 14.592.
De acordo com tributaristas, a interposição da ADC é uma tentativa de passar por cima da jurisprudência que vinha se formando a favor do contribuinte. Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados, diz que o governo manobra para driblar o quórum julgador. “Além de ser um desrespeito para com o Supremo, é um ato que propala insegurança jurídica. Já passa de hora de se respeitar os precedentes judiciais”, afirma o advogado.
Ele lembra que a mesma estratégia já foi usada pela AGU quando foi discutida a “tese do século”, com a proposição da ADC 18. Na ocasião, como o Supremo priorizava ações de controle de constitucionalidade (como as ADCs) sobre outros tipos de processos, a tramitação da ADC travou o julgamento dos recursos originais por cerca de oito anos.
O tributarista Marcus Lívio, sócio do Salomão Advogados, afirma que o governo está tentando trazer a discussão para o campo da constitucionalidade para que ministros diferentes possam se manifestar. “Não se trata de discutir a tese em si, é uma estratégia para tirar a discussão do âmbito do repetitivo para analisar a legislação pelo ângulo constitucional. Tira da repercussão geral para levar para uma discussão em abstrato”, afirma.
Mas mesmo que essa seja a intenção, o Supremo não deveria sequer conhecer o pedido, segundo Marco Behrndt, sócio tributarista do Machado Meyer. O especialista afirma que os dispositivos apontados pela AGU como fonte da controvérsia sobre o conceito de faturamento, na verdade, remetem ao conceito que está na Constituição, no artigo 195, inciso I, alínea “b”, que afirma que as contribuições sociais devidas pelas empresas incidem sobre a receita ou o faturamento.
“Quando julgou o Tema 69 [tese do século], o Supremo já disse que estava definindo o conceito de receita e faturamento ‘à luz da Constituição’. O conceito não está nas leis apontadas, está na própria Constituição. Como a análise constitucional já foi feita, a meu ver, não caberia essa análise proposta”, diz.
Parte da argumentação do governo é consequencialista, e, por isso, não deve prosperar, afirma Rafael Nichele, do escritório Rafael Nichele Advogados Associados. De acordo com o tributarista, o impacto orçamentário não pode se sobrepor ao argumento jurídico.
“Esse tipo de argumentação já foi usado no julgamento do Tema 69, que foi batizado de tese do século até com base no impacto bilionário para os cofres da Fazenda. E esse argumento está sendo trazido para tentar reabrir o que o STF já decidiu sobre o conceito de receita”, diz.
A AGU, por sua vez, na nota ao Valor, argumenta que os recursos partem da mesma lógica, e que “submeter tema de tamanha relevância para o tribunal, a fim de que possa decidir de forma conjunta e uniforme, é postura legítima, que respeita as regras vigentes, a dinâmica de julgamentos da Corte e o sistema de precedentes judiciais”
Também por nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que defende a União nos recursos extraordinários questionados, afirma que o assunto está sendo conduzido pela AGU.
https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2025/09/23/uniao-tenta-no-stf-validar-inclusao-de-tributos-no-pis-cofins.ghtml
STF mantém norma que levou à extinção de milhões de cobranças tributárias
Data: 23/09/2025
O Supremo Tribunal Federal (STF) validou a extinção de execuções fiscais de baixo valor (de até R$ 10 mil), política adotada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde 2024, prevista na Resolução nº 547. No Plenário Virtual, a decisão foi unânime para reconhecer a repercussão geral do tema e, no mérito, os ministros entenderam, por maioria, que é caso de reafirmação da jurisprudência – apenas o ministro Dias Toffoli divergiu nesse ponto.
Os ministros confirmaram a competência do CNJ para regulamentar o assunto. No voto, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, afirma que foram extintas 13 milhões de ações de cobrança entre outubro de 2023 e julho deste ano. Já o sistema do Justiça em Números indica a baixa de 11,3 milhões de processos entre março de 2024 – a norma é do fim de fevereiro – e 31 de julho. O Conselho não compartilhou número mais atualizado.
A medida, porém, é contestada pelos municípios. Alegam estar reduzindo a arrecadação, principalmente de IPTU. Um estudo da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) feito com 18 capitais mostra que a arrecadação via dívida ativa caiu R$ 230 milhões no primeiro semestre, em comparação a igual período de 2024.
As variações das quedas vão de 2,71%, em Recife (PE), a 71,7%, em Salvador (BA). Só em Manaus e Florianópolis houve alta – de 24,97% e 4,98%, respectivamente. As outras cidades não responderam à pesquisa, que considera correção pela Selic.
As execuções fiscais são um dos maiores gargalos do Judiciário. Historicamente, representavam um terço do total de ações no Brasil. Hoje, são 23,2% dos 76,6 milhões de processos. Desde a implementação da política do CNJ de extinguir as cobranças de baixo valor, a taxa de congestionamento reduziu de 86,93%, em janeiro de 2024, para 67,42%, em julho de 2025.
O percentual, apesar de ser o menor da série histórica, ainda é alto e significa que apenas três em cada dez execuções fiscais foram resolvidas no período. São através dessas ações que são cobrados créditos tributários da União, Estados e municípios. Mas viraram sinônimo de ineficiência pela baixa recuperabilidade.
Isso levou o Supremo a decidir, em 2023, que não vale a pena fazer a cobrança de determinados créditos, diante do custo para a administração pública. Os ministros entenderam não ser razoável sobrecarregar o Judiciário, pois os créditos podem ser cobrados por medidas extrajudiciais, via protesto e câmaras de conciliação (RE 1355208 ou Tema 1184).
Após o julgamento, veio a Resolução nº 547/2024, do CNJ, que fixou parâmetros mais objetivos. Autorizou juízes a extinguirem ações de até R$ 10 mil sem andamento por um ano e sem citação do devedor ou bens penhoráveis. Muitos processos têm sido arquivados por meio de listas, extintas automaticamente, por acordos de cooperação técnica entre o CNJ e Tribunais de Justiça.
Mas muitos municípios não concordaram com a medida. No STF, o município de Osório (RS) recorre de decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que extinguiu cobrança de R$ 5 mil de IPTU e Taxa de Coleta de Lixo referente ao período de 2020 a 2023. A prefeitura alega que tentou outras vias para equalizar o débito, sem sucesso.
No Supremo, ela questiona a validade da resolução e o poder do CNJ para regular o tema. Defende, nos autos, que invade a competência administrativa e tributária do município, afrontando a separação dos poderes.
No voto, Barroso afirma que a jurisprudência do STF permite o CNJ regulamentar “questões afetas ao aprimoramento da gestão do Poder Judiciário”. “As providências da Resolução CNJ nº 547/2024 não usurpam nem interferem na competência tributária dos entes federativos e devem ser observadas para o processamento e a extinção de execuções fiscais com base no princípio constitucional da eficiência”, diz (Tema 1428).
O relator, no voto, delega ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a análise sobre o atendimento das exigências da resolução nos casos concretos. “É infraconstitucional e fática a controvérsia sobre o atendimento das exigências da Resolução CNJ nº 547/2024 para extinção da execução fiscal por falta de interesse de agir”, afirma.
Na visão do procurador do Rio de Janeiro e assessor jurídico da Abrasf, Ricardo Almeida, a política de extinguir as execuções fiscais não tem sido eficiente. “Existe uma ideia de que está tudo maravilhoso, porque está descongestionando o Judiciário. Mas a estatística não está melhorando a performance dos tribunais nem das execuções fiscais”, diz ele, citando a queda na arrecadação.
A redução não se dá apenas pela aplicação da resolução do CNJ. “Difundiu-se uma mentalidade, pela resolução, de que se não pagar o IPTU, não se perde mais o imóvel. Então o devedor prefere pagar uma dívida bancária ao imposto”, acrescenta.
Almeida ainda afirma que, como o julgamento reafirmou jurisprudência, não altera os precedentes. “A rigor, a decisão não inova o que já estava parametrizado e sobrou para o STJ analisar a aplicação da resolução caso a caso.”
Alguns municípios, como o de São Paulo, não sentiram os impactos da norma do CNJ. Segundo o secretário municipal da Fazenda, Luis Felipe Vidal Arellano, diretor jurídico da Abrasf, a prefeitura já adota, desde 2008, o piso de R$ 15 mil para ajuizar execuções fiscais. “Como somos uma cidade muito grande, com contribuintes enormes, já há muito tempo a gente tem a estratégica de focalizar nossos esforços na cobrança das dívidas de maior valor”, afirma.
Mas ele tem visto outras cidades se queixarem das regras. “O CNJ ter colocado a régua igual para todo mundo produziria um risco moral para os contribuintes que se veem na oportunidade de não pagar seus tributos sem consequência, porque não podem mais receber execução e as outras medidas não seriam tão eficazes”, diz o secretário.
Para ele, a medida do CNJ faz sentido e o Supremo, ao delegar a competência ao STJ para analisar caso a caso, abre margem para respeitar as particularidades de cada município. “Quando se coloca a régua igual para todo mundo, ela pode ficar alta para alguns e baixa para outros, então precisa analisar caso a caso.”
A advogada Maria Andréia dos Santos, sócia do Sanmahe Advogados, afirma que o tema é espinhoso. “A cobrança de débitos em valores reduzidos no Poder Judiciário pode ser antieconômica”, diz. “Mas a verdade é que, apesar disso, as realidades da União Federal, dos Estados e dos municípios podem ser muito diferentes.”
Na visão da tributarista, o entendimento do STF é um avanço na política judiciária brasileira. “Essa decisão poderá reduzir o acervo de processos pendentes de julgamento no Judiciário e gerar uma redução no tempo que as partes esperam pelos julgamentos, colaborando para tornar a Justiça mais rápida e eficaz.”
Ao Valor, o procurador-geral do município de Osório, Vinicius Fisch, disse que como a decisão não foi publicada, não pode se manifestar sobre eventual recurso.
STJ afasta dois modelos simultâneos de base de cálculo para ICMS
Data: 24/09/2025
A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que os estados não podem adotar de forma simultânea dois modelos de base de cálculo presumida para o ICMS na sistemática da substituição tributária. O entendimento foi fixado no julgamento de recurso da Ambev S.A. contra auto de infração lavrado pelo fisco paulista para a cobrança de cerca de R$ 258 mil de ICMS relativos ao período de julho a dezembro de 2009.
No caso em discussão, a controvérsia girava em torno da utilização, pela empresa, do Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF) como base de cálculo presumida. O estado de São Paulo defendia que, quando o valor da operação própria do contribuinte superasse o previsto na tabela estadual, deveria prevalecer a Margem de Valor Agregado (MVA).
Para o relator, ministro Gurgel de Faria, a Portaria CAT 111/2009 extrapolou os limites da Lei Kandir (LC 87/1996), que estabelece as normas gerais para o ICMS. “Não existe autorização na LC para adoção simultânea de dois modelos de base de cálculo presumida em face do preço da mercadoria praticado pelo substituto”, afirmou.
De acordo com o relator, o valor a ser considerado como PMPF “deve espelhar a média ponderada dos preços praticados, de modo que a prática de preços menores ou maiores é o próprio objeto de estudo para fixação desse valor médio, portanto, não pode servir como parâmetro para o afastamento desse modelo”.
O processo tramita como recurso especial (RESp) 2139696/SP.
https://www.jota.info/tributos/stj-afasta-dois-modelos-simultaneos-de-base-de-calculo-
TRF-6 dispensa indústrias de publicar relatórios de transparência salarial
Data: 25/09/2025
A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) decidiu ontem, por maioria, que as indústrias mineiras não são obrigadas a dar publicidade aos relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios de seus funcionários. O entendimento foi dado em uma ação civil pública movida pela Federação das Indústrias do Estado de Minas (Fiemg) contra a Lei da Igualdade Salarial (nº 14.611, de 2023) e sua regulamentação.
Atendendo a pedido da União, a decisão do TRF-6 ficou limitada, contudo, às empresas mineiras do setor industrial com mais de cem empregados, apesar da entidade defender que poderia ter efeito em todo o Brasil. Não é necessário que elas sejam filiadas à Fiemg. O entendimento prevalece até haver a sentença.
Conforme a decisão, o Executivo não pode criar obrigações além do que estava previsto em lei. “As normas infralegais impugnadas determinam a elaboração e ampla divulgação de relatórios que, embora embasados formalmente na lei, introduzem exigências não previstas”, diz o relator do caso, o desembargador Lincoln Rodrigues de Faria.
Os desembargadores analisaram recurso contra decisão da 10ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte e suspenderam os efeitos do Decreto nº 11.795, de 2023, e da Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) nº 3.714, de 2023. As normas tornavam obrigatória a publicação do relatório de transparência salarial entre homens e mulheres.
O documento deve ser publicado duas vezes no ano, em março e em setembro. O relatório é disponibilizado no site do MTE e deve ser replicado no site e redes sociais das empresas. Mas muitas das empresas entraram com ações individuais na Justiça para não precisar publicar o documento, assim como sindicatos e associações.
De acordo com advogados, os dispositivos infralegais inovam e extrapolam o que foi previsto na Lei nº 14.611, além de desrespeitarem a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) – nº 13.709, de 2018. Na visão deles, a publicação dos relatórios traria prejuízo social e econômico, colocando em risco direitos fundamentais como a proteção aos dados pessoais, diretamente relacionada aos direitos da personalidade e à dignidade da pessoa humana.
Isso porque, segundo eles, o decreto e a portaria do governo não indicaram como seria a anonimização dos dados dos empregados, portanto, não cumpririam requisitos mínimos de segurança previstos na LGPD. Os especialistas ainda citam a necessidade de garantir os valores constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência.
Na visão da Fiemg, o relatório tem se mostrado pouco efetivo para fins de transparência social, além de gerar custos e burocracias adicionais para as empresas. “Essa decisão representa uma conquista relevante para o setor produtivo porque afasta uma obrigação que, na prática, não cumpre o propósito de trazer mais transparência à sociedade. Ao contrário, acaba impondo ônus desnecessário às empresas, sem clareza metodológica e sem benefícios concretos”, afirma Letícia Lourenço, superintendente jurídica da Fiemg.
Para o consultor jurídico contencioso da entidade, Pedro Henrique Coelho, “além de conferir segurança jurídica e paz social, a decisão assegura o sigilo de informações estratégicas e garante a legitimidade da Fiemg na defesa de direitos empresariais coletivos” (processo nº 6002221-05.2024.4.06.0000).
A decisão do TRF-6 destoa do entendimento majoritário no Judiciário, segundo especialistas. Leticia Ribeiro, sócia trabalhista do escritório Trench Rossi Watanabe, destaca que, em um primeiro momento, a jurisprudência entendeu que a exigência de publicação do relatório extrapolava as previsões da lei e que poderia haver violação à LGPD. Depois, no entanto, acrescenta, a Justiça passou a rever o próprio posicionamento e entender que os dados eram anonimizados e não haveria violação aos direitos dos trabalhadores.
A 6ª Vara Cível Federal de São Paulo, por exemplo, negou um pedido de uma empresa de tecnologia para ser desobrigada de publicar o relatório. “Não sendo demonstradas inconstitucionalidades e nem ilegalidades, não é lícito ao Poder Judiciário interferir na formulação e execução das políticas públicas adotadas, de forma legítima, pelo Poder Executivo afirma o juiz Daniel Chiaretti (processo nº 5007885-51.2024.4.03.6100)
Érika de Siqueira Seddon, sócia trabalhista do Mattos Filho, entende que, quando há análise aprofundada, a divulgação do relatório é suspensa. Para ela, embora o objetivo do documento seja louvável, há problemas estruturais no levantamento que criam distorções, porque ele se baseia na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).
“O relatório considera comparável, para fins de aferição de disparidade salarial, os cargos de analista e diretor de marketing, funções de responsabilidade claramente diversas e que a legislação e o senso comum entendem que serão remuneradas de forma distinta”, explica.
Luciano Andrade Pinheiro, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, afirma que, embora a busca pela equiparação salarial seja legítima, a política pública vem sendo conduzida de forma arbitrária e pouco transparente. “Caso sejam cumpridos nos moldes atuais, os decretos do Executivo podem resultar na divulgação de dados sensíveis de pessoas e empresas, em afronta à LGPD e à legislação concorrencial”, diz. Ele defende o Grupo Cyrela, que obteve sentença contra a obrigação.
Segundo o juiz Leonardo Tocchetto Pauperio, da 16ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, a obrigação teria “possíveis efeitos nocivos à livre concorrência, derivados da exposição de informações sensíveis que ultrapassam a finalidade primordial da política pública pretendida” (processo nº 1020692-80.2024.4.01.3400).
A constitucionalidade do relatório, porém, ainda será analisada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI 7612 e ADI 7631), que estão sob relatoria de Alexandre de Moraes. Ainda não há previsão para julgamento.
Fabricante vence na Justiça Federal disputa sobre classificação de produto e fica isento de PIS/Cofins
Data: 26/09/2025
Uma sentença da Justiça Federal de Minas Gerais permitiu que um produto similar ao leite condensado seja considerado “bebida láctea”, o que zera a alíquota de PIS e Cofins, normalmente de 9,25%. A decisão afasta cobrança relativa às contribuições sociais no valor de R$ 40 milhões para uma fabricante mineira, que enfrenta duas autuações no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre o tema. Se o entendimento da sentença prevalecer nos casos da esfera administrativa, a economia tributária total chegará a R$ 150 milhões.
A sentença, segundo especialistas, é um importante precedente para discussões sobre classificação fiscal. O tema atinge diversos setores, sobretudo o de laticínios e cosméticos, pelo fato de muitas mercadorias terem multifunções. Poucos casos foram levados ao Judiciário. A maioria ainda está no Carf, onde os conselheiros já definiram que água de colônia não é um perfume e que barra de cereal pode ser enquadrada como produto de confeitaria.
Recentemente, uma das discussões, na 1ª Turma Extraordinária da 3ª Seção, envolveu o enquadramento de drones. O contribuinte defendia ser “Veículo Aéreo Não Tripulado (Vant)”, com base na regulação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e da Organização Mundial das Aduanas (OMA). Essa classificação o livraria do pagamento do Imposto de Importação e o faria pagar 10% de IPI.
A Receita Federal teve interpretações diferentes ao longo dos anos, ora entendendo ora como câmera fotográfica, ora helicóptero, ora brinquedo com motor elétrico. Na autuação analisada, classificou como câmera, exigindo 20% de Imposto de Importação e 20% de IPI.
Mas o Carf anulou o auto de infração, entendendo que seria um Veículo Aéreo Não Tripulado. Isso porque “a característica predominante dos drones é possibilitar o voo não tripulado, podendo capturar, ou não, imagens”. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) disse ao Valor, em nota, que não vai recorrer, pois não há divergência (processo nº 11065.720181/2018-93).
Para a tributarista Virgínia Pillekamp, sócia do BMA Advogados, a decisão é inusitada. “O Carf adotou um entendimento bastante antigo de que seria um veículo aéreo não tripulado, o que opõe o que a OMA formalizou e o Brasil internalizou por meio de instrução normativa”, afirma ela, acrescentando que o órgão internacional também classifica drone como “câmera”, a depender do modelo.
No caso de Minas Gerais, apesar de na embalagem o produto ser denominado “mistura láctea”, a fabricante defende que deve ser classificada como bebida láctea para fins fiscais. Isso porque tem ao menos 51% de base láctea na composição, como prevê a Instrução Normativa nº 16/2005, do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). A denominação mistura láctea foi adotada por questões mercadológicas e regulatórias, segundo a empresa, e não deveria afetar a natureza jurídica.
Já Receita Federal entende ser mistura láctea, tributada pelo PIS e pela Cofins. Defende que a regulamentação atual sobre o assunto é o Decreto nº 9.013, de 2017. A norma prevê três tipos de derivados lácteos, sendo que qualquer produto que contenha ingredientes com a finalidade de substituir os constituintes do leite será classificado como mistura láctea. E que seria esse o caso dos autos.
Mas o juiz Felipe Bouzada Flores Viana, da Vara Federal de Ituiutaba (MG), não acatou a argumentação da Receita. Ele levou em conta o laudo pericial e análise feita por três peritos – um deles do próprio órgão. Todos concordaram que o produto deve ser classificado como bebida láctea (processo nº 1002462-81.2021.4.01.3824).
“O que diferencia a mistura láctea dos demais tipos de derivados lácteos é que nela ocorre a ‘substituição dos constituintes do leite’, tendo a União afirmado que a adição de amido, por ser um substituto dos constituintes do leite, implicaria a impossibilidade de se classificar o produto como bebida láctea”, diz o juiz, acrescentando que “não é esta, porém, a conclusão a que se chega pela análise da prova técnica produzida”.
Na visão dele, as provas dos autos indicam “que o produto ‘mistura láctea de leite e soro de leite’ pode ser considerado, legalmente, uma bebida láctea à cuja receita bruta de venda deve ser aplicada alíquota zero de PIS/Pasep e Cofins”.
Em nota, a PGFN afirma que já recorreu, pois a decisão “não considerou aspectos jurídicos e fáticos cruciais”, como a manifestação do Mapa. Segundo o órgão, o documento “atesta que o produto não atende aos requisitos para ser classificado como bebida láctea”.
“A própria empresa em questão comercializa o produto como ‘mistura láctea'”, diz o órgão. “Conceder a alíquota zero a esse ‘subproduto’ cria uma situação injusta e estimula o consumo de um item de menor qualidade, enquanto o leite condensado, considerado um produto mais nobre, continua sendo tributado normalmente”, adiciona.
A empresa mineira responde ainda a dois processos no Carf referente aos anos de 2015 a 2019. Para os anos seguintes, a partir de 2021, preferiu discutir pela via judicial e depositar em juízo os valores cobrados – mensalmente, cerca de R$ 1 milhão. “Fizemos o depósito para trazer segurança para a empresa, para ela não ser autuada com multa de 75% e juros, que é padrão da Receita Federal”, afirma o advogado da companhia, Maxwell Ladir, sócio do Ladir Franco Ribeiro Advogados.
Segundo ele, o contribuinte criou esse produto similar ao leite condensado em 2015 por conta do crescimento lento no consumo de lácteos devido ao alto custo. “Dentro do que é permitido pela vigilância sanitária e pelo Mapa, as empresas passaram a desenvolver novos produtos”, diz. “É um substitutivo ao leite condensado, que é só leite e açúcar. Mas, nesse caso, tinham outros ingredientes que são permitidos por lei. Foi o que defendemos e o perito concordou.”
Ladir afirma que a mistura láctea é hoje o carro-chefe de vendas da fabricante de laticínios, que quintuplicou o faturamento nos últimos 10 anos. E que a sentença reforça que a análise da natureza jurídica de um produto lácteo se dá por ingredientes e características sensoriais, e não pela aparência.
Virgínia Pillekamp, do BMA, diz que as classificações fiscais fazem parte do planejamento tributário das empresas. “É possível fazer um exercício interpretativo, mas existe uma base técnica para descrever cada produto. Com o tarifaço [tarifas dos Estados Unidos impostas ao Brasil], por exemplo, muitas empresas estão se desafiando na classificação fiscal para, de alguma forma, cair na lista de exceção”, afirma.
É preciso, no entanto, respeitar os limites estabelecidos pelos órgãos reguladores. “O Mapa, assim como a Anac e a Anvisa vão prever a caracterização do produto, que é a base para a classificação fiscal. A Receita sempre diz que é competente, mas tem que caracterizar o produto com base no órgão regulador, se não, a premissa sai errada.”
STF afasta ITCMD sobre doação feita por residente no exterior
Data: 27/09/2025
A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) afastou a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) na doação feita por residente no exterior para donatário em São Paulo. Por unanimidade, os ministros ratificaram decisão monocrática da relatora, ministra Cármen Lúcia. O julgamento ocorreu no Plenário Virtual e foi finalizado à meia-noite de ontem.
Os ministros voltaram a afirmar a necessidade de uma lei complementar sobre o tema para autorizar a cobrança, como exige a Constituição Federal, algo que já foi decidido em outro julgamento, em repercussão geral (Tema 825). Os ministros mantiveram entendimento favorável ao contribuinte da 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
“O tribunal de origem, de forma correta, decidiu não haver base legal a sustentar a cobrança do imposto estadual, o que torna inviável o reconhecimento da incidência tributária na espécie em exame, mesmo após a edição da Emenda Constitucional nº 132/2023”, afirmou a relatora no voto (RE 1553620).
A discussão surgiu com a edição da EC nº 132/23 – a reforma tributária. O texto estabelece que, enquanto não for editada lei complementar sobre o tema pelo Congresso, valem as normas estaduais. Só que a lei paulista foi considerada inconstitucional pelo TJSP, em 2011, e pelo STF, em 2021.
O argumento dos contribuintes, confirmado pelo STF, é de que a falta de previsão legal desautoriza a incidência do tributo estadual. Já o Estado de São Paulo entende ser possível a cobrança, mesmo sem nova lei interna. Na visão do governo, a EC 132/23 torna novamente válida a Lei nº 10.705, de 2000, considerada inconstitucional. Mas a tese do Estado foi negada pela ministra Cármen Lúcia, que aplicou multa de 1% sobre o valor da causa, por “abuso do direito de recorrer”.
Já é a segunda decisão da Corte sobre o tema. A primeira foi dada em agosto, em um processo que envolve a transmissão de quotas de uma empresa localizada nas Ilhas Britânicas, em razão de abertura de sucessão no Brasil – repasse de uma mãe aos filhos.
ICMS não incide sobre operações de extração de petróleo, decide STF
Data: 28/09/2025
Por unanimidade, no plenário virtual, STF entendeu pela não incidência do ICMS sobre atividades de extração de petróleo. Assim, a Corte negou o pedido da Alerj – Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, que buscava autorização para tributar a atividade.
O caso
Na ação, a Alerj questionou dois pontos do art. 155 da CF: a imunidade do ICMS nas operações interestaduais com petróleo e derivados (§ 2º, X, b) e a regra segundo a qual a arrecadação do imposto em operações com combustíveis derivados de petróleo cabe ao Estado de destino (§4º, I), introduzida pela EC 33/01.
O Estado sustentava que a vedação à tributação prejudica de forma desproporcional o Rio de Janeiro, responsável por cerca de 70% da produção nacional, mas impedido de cobrar o imposto sobre a extração e sobre as operações interestaduais.
A Alerj alegou violação ao pacto federativo e à imunidade tributária recíproca, pedindo interpretação conforme da CF e a declaração de inconstitucionalidade parcial das normas.
Voto do relator
Ministro Nunes Marques afastou o pedido do Estado.
S. Exa. lembrou que normas constitucionais originárias não podem ser submetidas a controle de constitucionalidade, sob pena de o Supremo atuar como fiscal do próprio poder constituinte.
Citou precedentes, como a ADIn 815, em que o tribunal firmou que não há hierarquia entre normas originárias da CF.
Quanto ao mérito, ressaltou que o Supremo já decidiu, na ADIn 5.481, que não incide ICMS sobre a extração de petróleo, por ausência de operação mercantil translativa de propriedade.
Também rechaçou a tese de que a EC 33/01 teria ferido a imunidade recíproca, afirmando que a norma apenas definiu a competência tributária, sem implicar tributação direta de patrimônio ou renda de outro ente.
Para o relator, qualquer mudança no pacto federativo quanto à tributação do setor deve ser feita pelo Legislativo, e não pelo Judiciário.
“O dispositivo impugnado apenas define o sujeito ativo do ICMS devido nas operações com lubrificantes e combustíveis derivados de petróleo, cujo imposto deve incidir uma única vez. Essa definição de competência tributária não se confunde com tributação sobre patrimônio, renda ou serviços. Não se vislumbra, portanto, tributação direta do Estado do Rio de Janeiro por outro ente federativo, sendo descabida a alegação de violação à imunidade recíproca.”
Ao final, votou por conhecer parcialmente da ação e, nessa extensão, julgar improcedentes os pedidos.
Processo: ADIn 6.250
Contribuinte perde no STJ disputa sobre restituição de tributo
Data: 29/09/2025
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que a apresentação de consulta administrativa aos órgãos fiscais não suspende nem interrompe o prazo de prescrição a que tem direito o contribuinte que busca restituição de tributo ou compensação tributária. O entendimento, da 1ª Turma, derruba, na prática, tese apresentada para recuperar mais de cinco anos de recolhimentos indevidos.
É a primeira decisão do STJ sobre o assunto, segundo especialistas ouvidos pelo Valor. O precedente, porém, afirmam, preocupa pelo fato de o contribuinte ter que arcar com as consequências da demora do próprio Estado em responder a um questionamento legítimo. Embora a Lei nº 11.457, de 2007, estabeleça o prazo máximo de 360 dias para a autoridade fiscal responder a consulta, acrescentam, não é raro esse limite ser descumprido – como no caso julgado pelo STJ.
O caso analisado é de uma indústria de alimentos. Ela apresentou consulta formal à Receita Federal em 2014. Perguntou se o ICMS pago por substituição tributária (ICMS-ST) deveria ser incluído no cálculo do PIS e da Cofins. O órgão respondeu apenas em 2017 que o ICMS-ST não integrava a base das contribuições sociais – no fim de 2023, a questão foi definida por meio de recurso repetitivo (Tema 1125). “O que significava que, durante anos, a empresa pagou o imposto indevidamente”, conforme explica Leonardo da Fonte, do escritório Erick Macedo Advocacia, que defende o contribuinte.
Após a consulta, a Receita Federal e a empresa passaram a divergir em relação ao prazo de prescrição do indébito tributário. O órgão defendeu que o contribuinte teria o direito de recuperar apenas o que foi pago nos cinco anos anteriores à resposta dada na consulta, ou seja, entre 2012 e 2017. A indústria, porém, entendia que a consulta interrompeu o prazo e que poderia reaver o que foi recolhido desde 2009 – ou seja, por oito anos.
Enquanto a primeira instância deu razão à autoridade fiscal, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) acatou a tese do contribuinte. Os desembargadores entenderam que deveria ser aplicado ao caso o artigo 4º do Decreto nº 20.910, de 1932, que prevê a suspensão do prazo prescricional durante o reconhecimento de dívida pela administração.
No STJ, no entanto, os ministros deram razão à Fazenda Nacional, por unanimidade. Acompanhando o relator, Gurgel de Faria, o colegiado destacou que, conforme a Constituição Federal, a prescrição tributária é matéria de lei complementar (artigo 146, inciso III, alínea b). Em vez do Decreto nº 20.910, portanto, aplica-se o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 1966), que prevê que o direito de pedir restituição prescreve a partir da extinção do crédito tributário.
Segundo a 1ª Turma, o pedido de restituição do imposto pago indevidamente não estava condicionado à manifestação prévia da autoridade fiscal. “Em outras palavras, o decurso do prazo prescricional conta-se do pagamento indevido até a data do efetivo pleito de restituição. O procedimento de consulta é absolutamente desvinculado desse pedido”, afirma em seu voto o ministro Gurgel de Faria (REsp 2032281).
Para Leonardo da Fonte, a decisão do STJ atribuiu ao contribuinte o ônus da demora estatal, o que desestimula a procura pela via administrativa. “O ideal seria que o sistema tributário valorizasse comportamentos pautados pela transparência e pela prudência, evitando que a ineficiência administrativa se transforme em vantagem arrecadatória.”
O colegiado também negou o pedido do contribuinte para aplicar ao caso o entendimento de um recurso anterior, de 2017, em que a 2ª Turma aplicou a suspensão do prazo prescricional prevista no Decreto nº 20.910 (REsp 1646725). Para os ministros, a compensação no outro recurso era derivada de uma sentença judicial transitada em julgado e dependeria de uma prévia manifestação da Receita Federal, o que não ocorreu no caso atual.
“Esse entendimento não nos parece o mais adequado, tendo em vista a similitude fática entre os casos e, sobretudo, a vasta jurisprudência que acolhe e aplica reiteradamente o Decreto 20.910/1932 em matéria tributária”, afirma Leonardo da Fonte. O advogado acrescenta que a defesa está analisando a possibilidade de apresentar recurso.
A decisão do STJ também cita que o artigo 161, parágrafo 2º, do CTN afasta a incidência de juros de mora pelo crédito tributário não pago enquanto a consulta não tiver sido resolvida, mas que isso não equivale à suspensão do prazo da prescrição.
Segundo a tributarista Carolina Rigon, sócia do ALS Advogados, no entanto, o mesmo racional desse dispositivo deveria ser aplicado à hipótese em que o contribuinte está esperando a resposta do Fisco em termos de prescrição. “É contraditório reconhecer que o contribuinte não pode ser penalizado por aguardar manifestação da Receita Federal e determinar que ele precisa ajuizar ação para preservar o prazo para restituição”, diz.
Ela sugere que, como alternativa, os contribuintes recorram ao protesto judicial, já que, nos termos do artigo 174, parágrafo único, do CTN, esse tipo de procedimento tem o condão de suspender o prazo prescricional. “O contribuinte poderia fazer as duas coisas: apresentar a consulta e não ter que ajuizar ação.”
Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que o STJ seguiu “rigorosamente” as regras do sistema tributário nacional. “Não há previsão legal de suspensão da prescrição para a repetição do indébito na hipótese de formulação de consulta fiscal e tampouco uma razão que a justifique”, diz o órgão. “Durante a pendência da consulta fiscal, o contribuinte não fica impedido de solicitar a restituição do tributo pago a maior, administrativa ou judicialmente.”
STJ permite aproveitamento de créditos de ICMS sobre produtos intermediários
Data: 29/09/2025
A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que produtos considerados intermediários geram créditos de ICMS. O julgamento ocorreu no Agravo em Recurso Especial (AREsp) 2.863.081/RS, que tem como partes a BRF S.A. e o Estado do Rio Grande do Sul, sob relatoria do ministro Francisco Falcão.
No caso concreto, os bens em discussão incluem itens destinados ao tratamento de água e efluentes, gases industriais utilizados em soldagem e corte, óleos e graxas para uso industrial, entre outros.
Na origem, o fisco estadual havia classificado os produtos como de uso e consumo, o que impediria o creditamento. A BRF defendeu que se tratam de insumos essenciais ao processo produtivo.
Luis Carlos Kothe, procurador do Rio Grande do Sul, defendeu a aplicação da Súmula 7 pela Corte, que define que o simples reexame de prova não enseja recurso especial.
“O próprio contribuinte lista na declaração que fez ao fisco estadual que se tratam de materiais de uso e consumo. Para examinar se são ou não materiais de uso e consumo, haveria necessidade de se entrar na análise dos fatos e das provas já trazidos aos autos”, afirmou Kothe.
Segundo ele, os créditos em análise correspondem a R$ 4 milhões. Em sustentação oral, também argumentou que só pode ser usado como creditamento aquilo que se incorpora ao produto final.
Contudo, o relator acolheu a posição da empresa, cujo pedido de creditamento havia sido negado na instância anterior, e deu provimento ao recurso.
Remuneração paga a jovem aprendiz integra base de cálculo das contribuições previdenciárias patronais
Data: 29/09/2025
Em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou a tese de que “a remuneração decorrente do contrato de aprendizagem (artigo 428 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT) integra a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, da Contribuição do Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho (GIIL-RAT) e das contribuições a terceiros”.
A relatora do Tema 1.342, ministra Maria Thereza de Assis Moura, explicou que a solução da controvérsia passava por definir se a contraprestação do trabalho do aprendiz pode ser qualificada como salário e remuneração, na forma da legislação de custeio da seguridade social.
A ministra observou que o artigo 195, I, da Constituição Federal apontava a folha de salários como fonte de custeio da seguridade social; contudo, a Emenda Constitucional 20/1998 excluiu os valores pagos no contexto de relações não empregatícias, seguindo orientação do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário 166.772.
O artigo 22, I e II, da Lei 8.212/1991 – acrescentou a relatora – passou a prever que a contribuição do empregador e o adicional para financiamento da aposentadoria especial incidem sobre as remunerações de empregados e de trabalhadores avulsos, “destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma”.
Jovem aprendiz é empregado e recebe remuneração
De acordo com Maria Thereza de Assis Moura, tanto a Secretaria Especial da Receita Federal quanto o artigo 428 da CLT consideram que o contrato de aprendizagem é um contrato de trabalho. Além disso, lembrou que o reconhecimento de direitos previdenciários ao adolescente é assegurado pelo artigo 65 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Na avaliação da relatora, não se sustenta o argumento de que o contrato de aprendizagem não gera uma relação de emprego, nem o de que o aprendiz é segurado facultativo, na forma do artigo 14 da Lei 8.212/1991 e de seu correspondente artigo 13 da Lei 8.213/1991. Esses dispositivos, alertou, apenas trazem uma idade mínima para a filiação como facultativo.
“Não é possível ver neles a indicação de que a pessoa com menos de 18 anos necessariamente é segurada facultativa. A forma de filiação de tal pessoa que tenha um contrato de trabalho será a de empregado. Portanto, esses dispositivos não impedem que a forma de filiação do aprendiz seja a de empregado – segurado obrigatório e, portanto, não facultativo”, disse.
Do mesmo modo, a relatora ressaltou que o parágrafo 4º do artigo 4º do Decreto-Lei 2.318/1986 exclui apenas os “menores assistidos” da base de cálculo de encargos previdenciários, os quais não se confundem com o aprendiz, que é empregado e recebe remunerações (salário e outras verbas).
REsp 2.191.479.
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